sábado, 23 de abril de 2011

Não sei distinguir no céu as várias constelações



Não sei distinguir no céu as várias constelações:
não sei os nomes de todos os peixes e flores,
nem dos rios nem das montanhas:
caminho por entre secretas coisas,
a cada lugar em que meus olhos pousam,
minha boca dirige uma pergunta.


Não sei o nome de todos os habitantes do mundo.
nem verei jamais todos os seus rostos,
embora sejam meus contemporâneos.


Não, não sei, na verdade, como são em corpo e alma
todos os meus amigos e parentes.
Não entendo todas as coisas que dizem,
não compreendo bem de que vivem, como vivem,
como pensam que estão vivendo.


Não me conheço completamente,
só nos espelhos me encontro,
tenho muita pena de mim.


Não penso todos os dias exatamente
do mesmo modo.
As mesmas coisas me parecem a cada instante diversas.
Amo e desamo, sofro e deixo de sofrer,
ao mesmo tempo, nas mesmas circunstâncias.


Aprendo e desaprendo,
esqueço e lembro,
meu Deus, que águas são estas onde vivo,
que ondulam em mim, dentro e fora de mim?


Se dizem meu nome, atendo por hábito.
Que nome é o meu?
Ignoro tudo.


Quando alguém diz que sabe alguma coisa,
fico perplexa:
ou estará enganado, ou é um farsante
- ou somente eu ignoro e me ignoro desta maneira?


E os homens combatem pelo que julgam saber.
E eu, que estudo tanto,
inclino a cabeça sem ilusões,
e a minha ignorância enche-me de lágrimas as mãos.


1960
Cecília Meireles
In: O Estudante Empírico (1959-1964)

Um comentário:

  1. Fico pensando nessas categorias de apreciação das postagens que vcs oferecem... "engraçado"; "interessante" e "legal". Pelas postagens até agora, acho que são categorias que fecham muito a leitura dos textos postados. Dizer do poema acima que é "interessante" parece evasivo e até mesmo distante do lugar aonde ele nos leva... Mas certamente ele não é "engraçado" e "legal" seria banal demais, acho, pra quem de fato o lê e pensa sobre o que ele diz.
    Aliás, pelo projeto (layout, nome do blog e postagens), pergunto-me se se trata de dizer que vcs estão propondo "entretenimento", como alegam lá em cima... será? Também não sei se pretendem "transmitir" conhecimentos ou partilhá-los (fiquei achando que é mais a partilha de reflexões o que se propõe aqui); também me pergunto por que "dinamicamente". Sobretudo no caso do poema de Cecília Meireles, o que se propõe é muito mais o tempo eventualmente lento, longo e mesmo arrítmico do pensamento se tecendo, não é?

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